O mundo ganhava cor
Era o mundo do gira-discos e do Festival da Canção.
A mim não me eram autorizadas brincadeiras na rua. Mas isso não me incomodava. Depois dos trabalhos de casa, entrava no meu mundo de criança. Cantar e dançar ocupavam os lugares de topo. E recriava tudo! Atuações fervorosas, desde as "Doce" aos "Da Vinci", foi a loucura. Agarrada a um velho rádio preto fazia os melhores discos pedidos do bairro. E em casa dos meus pais operava cuidadosamente o gira-discos e era ouvir o genérico do "D'Artacão", o "Carlitos, Carlitos!", e como qualquer miúda, os "Onda Choque " e os "Ministars".
Em tardes de sossego e de pão com marmelada, embalada pela dança da minha avó a passar a ferro e pelo cheirinho a roupa lavada, do rádio saiam vozes radiosas e nasaladas a desejar dias felizes aos ouvintes, canções que contavam histórias, de melodias tristes e ritmadas. Recordo o histerismo inebriante dos Parodiantes de Lisboa e de como o frei Hermano da Câmara, a contrastar com o apaixonado Marco Paulo, faziam a minha avó rodar o botão do volume e a cozinha ganhar ares de festa.
Emoções maiores, só à noite, com o jantar cronometricamente preparado, para depois nos sentarmos a ver os brasileiros de vozes melodiosas a desenharem histórias inéditas de prender o coração e a alma. Recordarei para sempre o Roque Santeiro. Oh, mundinho aquele de homens e mulheres esquisitos a correrem pelas ruas e a cochicharem palavras estranhas que eu nem percebia.
A televisão a cores não trouxera cor apenas às caras sorridentes dos locutores e atores. Colorira o dia a dia dos portugueses e hipnotizara famílias inteiras em frente à caixa mágica.
Para mim foram tempos de mudança e são já memórias a misturarem-se. Passei da "Casa na Pradaria" para os mundos modernos de "MacGyver" e "O Justiceiro", precedidos pelo sempre fantástico Clube Amigos Disney. As melhores tarde de domingo do mundo!
Ah! E os melhores desenhos animados do mundo viveram lá em casa. "Ana dos Cabelos Ruivos", "Era uma vez a vida", "Era uma vez o espaço", "Candy, Candy", "Tom Sawyer" e tantos outros.
Foi a década mais doce, a da minha infância. Dias felizes e intermináveis, mas que num instante ficaram para trás.